Naquela noite, sentei-me na minha cama e coloquei os fones nos ouvidos para tentar abafar a gritaria que vinha da sala de jantar. Já por duas semanas que aquilo se repetia todas as noites e como sempre, enfiava-me no quarto a pensar no que fazer e tentava não ouvir a voz do meu pai a gritar com a minha mãe.
Nesse dia a gritaria tinha sido ainda pior e já nem a música conseguia abafar os gritos da minha mãe; eu sabia que ela não merecia o que estava a acontecer e decidi que tinha de fazer alguma coisa: – relatei ao juiz, com a cara voltada ligeiramente para baixo – tirei os fones e saí disparada para a sala.
Quando lá cheguei deparei-me com uma visão terrível: o meu pai a puxar os cabelos à minha mãe. Verbalmente, já sabia como ele era, mas daí a agredir a minha mãe fisicamente, era outra coisa.
Implorei-lhe que deixasse a mãe em paz mas em vez disso, ele disse “Entre homem e mulher, não se mete a colher”. Claro que achei aquilo uma estupidez de todo o tamanho mas a única coisa que saiu da minha boca foi qualquer coisa como “Eu já tenho dezasseis anos!”. A minha mãe interrompeu-me aflita, pedindo-me que fosse para o quarto mas eu ignorei-a e virei-me outra vez para o meu pai; ameacei chamar a polícia e ele gritou-me que parasse de o desafiar, ou quem sofria era a minha mãe.
Lembro-me de ter ficado parada por segundos a olhar para o rosto da minha mãe, as lágrimas caiam dos seus olhos, estava vermelha e dava para reparar perfeitamente nas gotas de sangue no canto do lábio inferior. Só pensava em como o meu pai se tinha tornado naquele monstro. Ele era o mesmo homem que me levava ao parque todos os sábados e brincava comigo, era o mesmo homem que me comprava vestidos de princesa e alegrava-se a olhar para mim a rodopiar nesses mesmos vestidos. Mas ele mudara.