-Olá Matilde - Esboçou um sorriso honesto e preparou-se para escrever o sumário. - Sou novo aqui, só cheguei hoje, mas é bom saber que alguém quer falar comigo, nem que seja só para dizer “Olá”.
Ri-me:
-Vais ter imensos amigos - Sorri genuinamente, enquanto fingia que escrevia o sumário - Pelo menos, eu vou ser uma delas. - *A sério, Matilde, tu nunca te deste com ninguém na tua turma, não é agora que isso vai começar, mesmo que a pessoa em questão seja um gato*
-Na minha escola antiga não tinha assim tantos amigos quanto isso... pelo contrário, chamavam-me betinho... Bem, eu sei que agora vais deixar de falar comigo, mas tinha de contar a alguém...
- Com que então és um betinho... A sério que não pareces, esses teus colegas deviam ser uns atrasados do piorio... desses conheço eu muitos!
- Menina Matilde, não distraia o seu colega, que é tão aplicado! - gritou com a sua voz irritante
- Estava só a falar com o rapaz, stora! Caraças, não se pode conviver na escola, agora? - respondi sem medo da sua reacção.
- Olhe a linguagem menina! Mais uma dessas e sai fora da sala! - Ameaçou sem sequer reparar que estava a falar português.
- Pronto, pronto, descanse lá! Falamos doutra maneira...!
- RUA!
- Rua diz-se street, stora.
- Eu ordenei-te que vás para a rua!
- Se ela for, eu também vou... - Interviu o Daniel, com um sorriso triunfante na cara quando viu a professora suspirar e apenas dizer para que fizessem menos barulho.
- De qualquer forma é melhor falarmos por escrita... ‘Tás a ver numa folha... - Sugeri, enquanto lhe arrancava uma folha do caderno e escrevia:
Matilde “Odeio esta stôra... nem te digo nem te conto!”
Daniel “Já tive piores... mas pronto, não é algo que me interesse muito... Sabes, nunca tinha falado durante as aulas muito menos escrever assim”
Matilde “A sério? Não posso acreditar... o.o “
Daniel “É verdade. Agora é que me sinto mesmo um betinho”
Matilde “Os meus pais preferiam ter-te como filho do que a mim... queres trocar?”
Daniel “Porque dizes isso?”
Matilde “Faço montes de cenas que não são propriamente para a minha idade...”
Daniel “Tipo...?”
Matilde “Prefiro não falar disso, ok?”
Daniel “Está Bem!”
Matilde “Então, conta-me lá... Já fizeste quantos amigos?”
Daniel “Se te puder considerar minha amiga... fiz dois”
Matilde “ E quem foi o outro sortudo?”
Daniel “O Rui, veio ao meu lado no autocarro”
Matilde “Ah! Já sei quem é! O amigo da Mafalda.”
Daniel “Mafalda? Quem é essa?”
Matilde “É a minha melhor amiga, ou melhor nem sei se ainda continuamos melhores amigas.”
Daniel “O que aconteceu?”
Matilde “Ahaha, dizem que mudei muito desde a separação dos meus pais”
Mal acabei de escrever, a campainha tocou e todos saíram disparados da sala para o intervalo. Aquela conversa fez-me pensar na Mafalda com quem já não falava à um mês, no mínimo. Decidi ligar-lhe já que não a encontrava na escola e visto que precisava bastante de falar com ela. Como não atendeu a minha chamada, mandei-lhe uma mensagem a pedir que viesse ter comigo às traseiras da escola no intervalo a seguir. Depois, fui ter com o Daniel que estava à minha espera a cerca de três metros de mim; quando me viu a guardar o telemóvel aproximou-se de mim e sorriu hesitante.
-Anda, vamos ao bar - sugeri.
Ao contrário do costume, o bar estava praticamente vazio; pedi um croissant misto para cada e sentámos-nos numa mesa enquanto lanchávamos.
Ficámos ali a falar, a conhecermo-nos melhor até que a campainha se fez ouvir. Ele pegou na mochila e levantou-se mas eu permaneci ali sentada como se de repente tivesse ficado surda.
-Vais-te baldar? - Perguntou, enquanto se sentava bastante duvidoso.
-Nah... Eu já vou, podes ir indo. - respondi, ao mesmo tempo que limpava a boca.
-Eu espero por ti... afinal somos amigos, né? - Realmente o rapaz era um bocado beto mas lá que era simpático, era. E além disso é o gato dos gatos, se fosse extrovertido já tinha um monte de gajas atrás dele; incluindo eu.
-Sim, claro. Bem... então, vamos, acho eu... - Bocejei... se não fosse por ele, já me tinha baldado à manhã inteira, mas que o rapaz era interessante, lá isso era.
Depois de termos passado a aula inteira de Matemática a escrever papelinhos um ao outro, chegou finalmente o intervalo em que ia falar com a Mafalda, isto é, se ela tivesse visto a mensagem. Contei a verdade ao Daniel e ele respondeu que não havia problema algum.
-Boa sorte - acrescentou, quando eu já estava dez ou onze metros.
- Obrigada, vai ser preciso. - respondi, sorridente.
Cheguei a local combinado e vi-a lá, sentada num pequeno degrau que lá tem.
-Olá! - afirmei com um grande sorriso na cara - Obrigada por vires! Preciso mesmo de falar contigo.
-O que precisas de me dizer? Que não queres mais que me meta na tua vida, é? - respondeu ela, agressivamente.
-Eu tenho de te pedir desculpa. Errei. Gritei contigo e disse coisas que não devia e não tinha o direito de o fazer. Tenho andado mal, os meus pais divorciaram-se, o meu pai arranjou uma namorada estúpida. Eu preciso de ti, aqui, ao meu lado para me fazeres rir das situações piores como antes fazíamos, para virmos vestidas de igual para a escola e pensarem que somos gémeas. Tenho saudades de tudo. Perdoas-me?
-Vou pensar no assunto... - Disse-me, tentando parecer séria e zangada, mas no entanto, conseguia ver uma certa alegria nos seus olhos.
-Está bem. Eu espero... - abracei-a com toda a minha força e fiz-lhe um sorriso, ao qual ela não retribuiu.
***
Daniel
Uma das coisas que normalmente as raparigas gostavam era de surpresas e foi exactamente isso que decidi fazer cinco dias depois de ter conhecido a Matilde; estava já perto da sua casa quando comecei a ficar com a barriga às voltas de tanto pensar no que poderia acontecer. Bati à porta mas quem me respondeu foi uma senhora que eu achei ser a mãe dela.
-Boa tarde... Hum eu sou o Daniel e venho ter com a Matilde. Só espero não incomodar...
-Claro que não incomodas! Vai por aquele corredor e é na segunda porta à direita. - Explicou, carinhosamente - Ela está sozinha. - Acrescentou ao olhar para a minha cara. Que alívio...
A verdade é que quando bati à porta, esqueci-me completamente das boas maneiras e não esperei resposta de ninguém antes de entrar. Qual foi o meu espanto quando me deparei com a Matilde enrolada com outro rapaz. Ela olhou para mim, muito espantada e talvez um pouco envergonhada.
-Daniel... - Suspirou. Tapei os olhos com a mão direita e disse:
-Desculpa... a tua mãe disse-me que estavas sozinha... e além disso não sabia que tinhas namorado.
O rapaz começou a rir-se de mim, com uma cara do género “Hello, puto, a miúda não se dá com gajos como tu, sabes?!”. Decidi sair daquele quarto imediatamente, ainda a ouvi a chamar pelo meu nome, mas decidi ignorar. Despedi-me da sua mãe e fui para casa, triste por pensar que me tinha iludido ao achar que talvez ela gostasse de mim, ou pelo menos, simpatizasse comigo ao ponto de me contar o seu relacionamento.